Lixar o professor

"Mesmo aqueles pais que nunca quiseram saber da educação dos filhos, que nunca lhes compraram um livro e que nem se aperceberam ainda de que eles passam metade do dia a jogar play-station e a outra metade a ganhar vícios na rua* subitamente ganharam um interesse novo nessa história da avaliação dos professores e prometem dedicar-se zelosamente a uma actividade em que Portugal invariavelmente se excede, a tarefa de lixar a vida ao parceiro com uma meia-dúzia de palpites gratuitos, sempre que surge uma oportunidade."

Exacto. E porquê? Porque somos todos muito preguiçosos: todos achamos que a escola vai de mal a pior, que os professores não ensinam, que isto e que aquilo. É mais fácil lançarmos essas culpas todas para cima dos professores do que perceber o que está mal em nós próprios e o que os professores, mesmo assim, fizeram de bem nas últimas décadas - que alguma coisa devem ter feito, para que, apesar da forma como o sistema de ensino foi governado, a literacia dos jovens portugueses tenha melhorado, embora para chegar a níveis insuficientes a nível europeu - mas ninguém se dá ao trabalho de ir ver donde se partiu. Sendo tão fácil lançar culpas, "lixar o parceiro", achar que temos razão sem reflectir nem um segundo que seja sobre a questão, é óbvio que pouquíssimos pais se irão preocupar em avaliar com justiça os professores. Mas mesmo que se preocupassem, não têm a mínima preparação para tal.

Em vez de confiar nos justos pais, porque não ler (será pedir muito?) os inúmeros relatórios internacionais, os estudos nacionais, as conclusões de milhentas comissões sobre o ensino. Afinal, nesse corropio de gente e palavras há ideias boas, há coisas que já deram algum resultado, outras que são perfeitos disparates. Como destrinçar? É para isso que pagamos ao Ministério! Os pais já têm pouco tempo para educar os filhos, quanto mais os professores dos filhos...

[Saliente-se que ainda não se conhece a proposta concreta. No entanto, a ideia é tão absurda que qualquer subtileza legislativa não irá conseguir sanar o pecado original de pôr parte interessada na avaliação a avaliar o avaliador.]

* A parte do "eles passam metade do dia a jogar play-station e a outra metade a ganhar vícios na rua" não me agrada por aí além. Que vícios são esses? E para mais, segundo se tem visto, a play-station até faz bem. Experimentem. A sério.

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