A palavra "Metro"

Este blogue herda também a função do blogue Certas Palavras, e como primeira palavra dessas certas palavras, temos Metro. (Isto porque hoje andei de metro — o que é mais raro do que devia, mas sobre isso falarei mais tarde.)

http://11870.com/pro/metro-do-porto/media/460155eb
Já ouvi muitas pessoas afirmarem que o Metro do Porto não devia ser chamado de metro porque não é debaixo de terra. Ora bem... Este problema tem mais a ver com saber-se, de facto, o que quer dizer a palavra metro do que propriamente com o Metro do Porto em si. (Depois, se andarem um pouco no Metro do Porto verão que, dentro do Porto, o dito cujo passa muito tempo por baixo de terra.)

Pensemos um pouco na palavra. O que quer dizer "metro"? É uma concatenação da palavra "metropolitano" e, se quisermos ser literais, significa apenas um comboio metropolitano, com a configuração que lhe quisermos dar. Mas o que é um comboio metropolitano? Vejamos a missão do Metropolitano de Lisboa: "Prestar um Serviço de Transporte Público de Passageiros, em modo metro, orientado para o cliente, promovendo a mobilidade sustentável." O que raios é o modo metro? Será, digo eu, um comboio que não esteja misturado com o trânsito, com vias próprias — distinguindo-se do eléctrico... —, que seja rápido e adaptado à vida em cidade. Um comboio que permita viajar rapidamente pela cidade. O Metro do Porto permite viajar rapidamente pela cidade. Julgo que sim.


Mas escavemos mais fundo. Não tive tempo para tirar tudo a limpo, mas o nome do Metropolitano tem origem na tradição ocidental de chamar aos comboios do centro urbano (quase sempre subterrâneos) de metropolitanos. Esta palavra, instituída para o Metropolitano de Paris (e quase tods que vieram a seguir), teve a primeira incarnação na Metropolitan Line do London Underground (que, curiosamente, como se vê, é um dos poucos metropolitanos que não se chama "metropolitano").

https://en.wikipedia.org/wiki/File:Paris_Metro_Sign.jpg

https://en.wikipedia.org/wiki/File:Underground.svg

Ora, em inglês, poderíamos talvez dizer dizer que ou é debaixo de terra ou não é Underground coisa nenhuma. Afinal, em Londres, existem linhas sobreterrâneas (isto existe?) com o nome overground. Sim, existe o London Overground!

London Overground
http://www.tfl.gov.uk/corporate/modesoftransport/londonrail/15360.aspx

https://en.wikipedia.org/wiki/File:Overground_roundel.svg

Aqui está o busílis: o metro mais antigo não se chama metro (chama-se Underground, ou Tube para os amigos) e este metro mais antigo (que não se chama metro...) é por natureza um comboio que anda debaixo de terra. Assim, os europeus ficaram com a ideia que um metro tem de estar bem enterrado, senão, não é metro coisa nenhuma. Mas, no fundo, se virem bem, o London Overground é apenas mais um sistema de... metro de Londres.

Portanto, o metro é um comboio dos centros urbanos, geralmente enterrado (mas não necessariamente). O Porto criou um sistema de metro urbano (e suburbano), com partes significativas debaixo de terra (e outras por cima de pontes) e decidiu chamar-lhe metro. Nada a dizer. Se o Metropolitano de Lisboa começasse a expandir-se pelos subúrbios (como, aliás, já começou) e o fizesse à superfície, não deixaria de ser o Metropolitano de Lisboa...

Uma amiga minha, perante esta argumentação toda, disse-me apenas: "tudo bem, mas o Metro do Porto é um eléctrico, ponto final". Cada um com a sua...

E pronto, para não dizerem que vão daqui sem nada, ficam duas recomendações: leiam o belíssimo primeiro romance de Julian Barnes, Metroland, nome que se refere à zona a noroeste de Londres "banhada" pela Linha Metropolitana (a linha mais antiga do Underground e que tem uma grande porção por cima de terra, o que só complica as coisas e mostra que até o Underground pode ser à superfície, isto numa cidade que tem um Overground — que se calhar, às vezes, também desce às catacumbas londrinas, só para irritar). Mas, descansem, o romance de Julian Barnes não tem muito a ver com o metro, tem muito mais a ver com o Maio de 68, com Paris, com a amizade e com o crescimento. Um romance de aprendizagem, como muitos, só que muito bom.

Para quem gosta mesmo de subterrâneos, leia London Under de Peter Ackroyd (o autor de London, a Biography). Mais tarde falarei deste livro com mais tempo. Quando era pequeno, sonhava ter um subterrâneo (talvez fosse porque lia muito os Cinco) e este livro é delicioso. Nem imaginam o que está por baixo duma cidade como Londres. Ou talvez até façam alguma ideia... Mas será uma ideia errada, quase de certeza. A realidade é bem mais espantosa do que possamos imaginar.

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