O medo do tédio

Muitas pessoas sofrem dum medo absurdo a tudo o que cheire levemente a tédio. Têm horror ao “chato” e à “seca”. Nada contra querer uma vida pouco aborrecida – o problema é que a nossa noção de “interessante” é, por vezes, tão limitada que acabamos por fugir de muitas coisas tão ou mais interessantes do que os nossos gostos habituais.

Para algumas pessoas, tudo o que não seja as poucas músicas de que gostam e um ou outro espectáculo mais vistoso é uma seca de morte. Tudo o que seja explicação menos fácil ou menos intuitiva do mundo é um aborrecimento que não serve para nada. Tudo o que seja mais demorado, menos simples, tudo o que exija pensar ou saborear é próprio de pessoas “chatas”.

Assim, estes “aborrecidos” muito “cool” escudam-se do mundo e perdem a oportunidade para conhecer e gostar de grande número de filmes e livros, de viagens menos “óbvias”, de profissões que não pareçam uma constante festa, de aventuras que não sejam as mais banais – e de tudo o mais que o mundo tem para nos dar, mas que ninguém se lembrou de publicitar como sendo “giro”. Estas pessoas não só exigem ao mundo que os espante constantemente, como perdem a curiosidade sobre o mundo como ele de facto é – e é espantoso e inacreditável, só que de maneira pouco óbvia.

Uma experiência mental. Pegue-se num fanático de futebol e coloque-se num estádio. Pormenor interessante: aquilo a que ele vai assistir será um concerto de música e não um jogo de futebol. Esse fanático, se tiver o tal medo do tédio, irá ficar irritadíssimo. Tudo o que não seja o seu gosto particular é aborrecido. Ora, ninguém é obrigado a gostar dum determinado concerto, mas o mundo também não tem de obedecer, a cada momento, à imagem do que cada um de nós acha muito interessante. É bom gostar de futebol, mas isso não implica achar um concerto de música aborrecido (e vice-versa).

Tal como todos podemos concordar que o fanático ganharia em tentar ouvir o concerto onde caiu sem saber como, em vez de dizer constantemente “que seca!”, também podemos admitir que às vezes vale a pena ir mais além do que aquilo que achamos interessante. Isto é válido para livros, filmes, profissões, conhecimento científico, etc. Muitas pessoas, perante descobertas que mudam a nossa visão do mundo, limitam-se a achar tudo entediante porque não é aquilo a que estão habituados – no fundo, é como se Neil Armstrong chegasse à lua e dissesse, num encolher de ombros, “mas aqui não se passa nada!”

Ninguém pode ser obrigado a gostar seja do que for. Todos nós acabamos por ter gostos específicos e a deixar de lado muitas outras coisas, porque não temos tempo para ir a todas. É normalíssimo. No entanto, se começarmos a achar tudo muito chato e se nos virmos rodeados de pessoas pouco interessantes, é provável que estejamos a deixar de conhecer os nossos próprios limites, o que equivale a ficarmos definitivamente encerrados no pequeno mundo do que já conhecemos.

Uma ideia: descubram o mundo, mas não esperem que ele vos entretenha à força – acima de tudo, não acusem os outros de serem “chatos” só porque têm outros interesses. O mundo não se limita aos nossos apertados critérios sobre o que é “giro”.

Depois de muitos anos a ouvir pessoas que acham os outros muito chatos a debitarem muita conversa aborrecida, chego à conclusão de que, talvez, a melhor definição de pessoa aborrecida seja “pessoa que acha tudo aborrecido”.

Desaborreçam-se!

Publicado em Notícias do Parque

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