O Presidente e o inglês

O Presidente da República defendeu, há poucos dias, que se deve combater a hegemonia do inglês e incentivar a presença do português na cena internacional. Revela, assim, alguns erros de análise. Assim:

a) A hegemonia do inglês não prejudica em nada a presença do português no mundo. Há muito que as duas línguas estão em dois campeonatos diferentes: há o inglês e depois há todas as outras. É normal que exista uma língua hegemónica (o português já o foi, tal como o francês). Nenhuma deixou de o ser porque alguém a tenha combatido. O português não o voltará a ser. Lutarmos contra o inglês é prejudicarmos o nosso futuro económico, científico e cultural.

b) A hegemonia de uma língua não implica a diminuição de importância das outras línguas, apenas daquelas que também têm pretensões hegemónicas (por exemplo, o francês). A hegemonia do inglês é acompanhada por um ressurgimento do interesse por línguas minoritárias por todo o mundo e pelo aumento da importância de línguas como o espanhol e o chinês.

c) Que cada vez mais portugueses saibam falar inglês só nos beneficia a nós, em termos económicos, tecnológicos, científicos, culturais. Nenhum português vai deixar de falar português por saber falar inglês. Aliás, quanto melhor se souber falar línguas estrangeiras, melhor se saberá falar a nossa língua (por várias razões, como por exemplo o aumento da competência metalinguística). Falar inglês não é um favor que fazemos aos ingleses e americanos, mas um favor que fazemos a nós. Os suecos, finlandeses, holandeses e até muitos franceses já perceberam isso.

d) O inglês, apesar de tudo, é a língua menos conotada com um só país e cultura. Não deixa de veicular uma determinada posição cultural (anglo-saxónica), mas não nos esqueçamos que a relação entre o inglês e os Estados onde a língua é maioritária é ínfima comparada com a relação entre a língua francesa e o Estado francês. O inglês nem sequer é língua oficial do Reino Unido (nem dos Estados Unidos).

e) A França é o país que mais estrebucha perante a ascensão do inglês, mas nós, portugueses, não temos de decidir entre os dois: podemos falar inglês e francês. Quantas mais, melhor.

f) Podemos defender o português com unhas e dentes sem atacar nem o inglês, nem qualquer outra língua. Aliás, uma das línguas que seria mais útil a todos os portugueses seria o espanhol - Espanha é o país com quem temos mais relações comerciais; os espanhóis têm um nível de conhecimentos de línguas estrangeiras relativamente baixo - sabermos falar a língua deles, inglês, francês e tudo o mais só nos iria beneficiar. (Mas isto é lutar contra moinhos de vento; em Portugal, a maioria da população ainda acha que em Espanha só se fala uma língua.)

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