O Nacional-Pessimismo

Em Portugal temos todos opiniões sobre tudo e, muitas vezes, uma opinião diferente a cada dia sobre cada coisa. Poucas vezes, aliás, concordamos uns com os outros e todos secretamente achamos que, se este país “está como está”, é porque os outros não nos dão ouvidos e vêem o que está à frente do nariz. Mas há uma coisa sobre a qual os Portugueses se põem de acordo: o país está mal; o país está cada vez pior; este é o país que temos; e com o país que temos o país não vai a lado nenhum. Quase que nos apetece dizer que a solução para Portugal é trocar de país.

A retórica do Pessimista é rápida e eficaz: basta dizer que “o que eles querem sei eu” para todos os circunstantes abanarem a cabeça numa condenação geral à corrupção que eles sabem ser a causa da desgraça nacional (mas que os outros não saibam que eles saibam — e por isso sussurram). Ou então, basta dizer que “no meu tempo era doutra maneira” para todos percebermos que a solução, afinal, é recuperar os excelentíssimos métodos pedagógicos da professora da primária (entre dentes, alguns dirão também que essa história de não beber e não bater na mulher é mais uma “modernice”, palavra cara ao Pessimista Nacional). Mas há argumentos mais subtis: as campanhas eleitorais são uma revoada de lugares comuns e clichés — o que impressiona é que tais lugares comuns vêm, na sua maioria, de quem se apressa a acusar tudo e todos de “debate vazio”, “falta de ideias”, “falta de rumo”, etc. O que os políticos dizem é difícil de adivinhar, mas os comentadores não variam na descrição que fazem do que os primeiros dizem. Depois, todos damos por adquiridos que o sistema de ensino vai de mal a pior; que o sistema de saúde é o pior do mundo; que nas estradas há cada vez mais falta de civismo; e por aí fora. Ninguém admite a menor contradição ao dogma do pessimismo nacional — se dissermos que o sistema de ensino melhorou substancialmente a formação dos portugueses nos últimos trinta anos, não há quem se digne sequer a olhar para os números: todos tomam por adquirido que é mentira, “só pode ser brincadeira”. Assim, ficamos completamente incapacitados para analisar os erros e aprender com eles — concluímos à partida que tudo o que se faz no país é um erro e todos advogamos o regresso a um tempo melhor. Assim, perdem-se oportunidades, destrói-se a motivação de quem faz alguma coisa de bom e andamos todos a enganar-nos e a corroer qualquer evolução positiva que o país tenha.

Esta ideologia pessimista permeia a sociedade, percorre a direita e a esquerda, encerra cada português na crença muito pessoal de que sabe a solução para o país mas ninguém lhe dá ouvidos (o que dá jeito quando não se quer fazer muito). A ideologia pessimista permite também ter uma leitura fácil de tudo o que acontece (tudo é mau, ponto final) e acreditar piamente que apenas nós não temos um tacho, que apenas nós trabalhamos à séria, os outros andam só a roubar. Além disso, o pessimismo nacional permite estabelecer uma ponte segura entre quaisquer interlocutores — dizer que “isto está cada vez pior” ou “olhem o que eles andam a fazer ao país” permite achar sempre uma base sólida para iniciar qualquer conversa pelos cafés desse país. Mas o pessimismo nacional é também uma questão de estilo: dá aquele ar chique e esperto de quem é lúcido e não se deixa enganar: ingénuos são os optimistas (por onde andarão eles?). Tudo se enreda numa salganhada de ideias feitas e supostamente evidentes que servem para falar de tudo e tudo explicar neste país remordido por dentro por não ser outra coisa qualquer. Andamos todos a gritar e a falar e a analisar e a discutir e a acusar e ninguém se ouve porque, no fundo, todos achamos que estamos cada vez pior e que este país não nos merece e os outros não percebem nada.

Com variações curiosas, é certo, mas o Português orgulha-se de ser Pessimista. Quando não mergulha tal estatuto nos píncaros míticos de um trágico fado e de uma decadência bem-vinda no País da Saudade, vai palrando a sua sabedoria lúcida e clarividente que informa os seus ingénuos concidadãos da desgraça e da tragédia de se ser português e acusando todos os outros de não trabalharem, de votarem no partido errado, de não ouvirem a voz da razão, de serem todos incompetentes ou corruptos (menos, claro, quem participa, a dado momento, na conversa — “nós” nunca somos “eles” e “eles” é que têm a culpa disto tudo).

O pessimismo costuma ser um sinal de cepticismo e de espírito crítico. Em Portugal é uma bengala mental, um conjunto de tiques de conversa, uma série de ideias que forma uma ideologia daninha que ninguém arranca — nem que seja para fazer nascer um pessimismo activo e verdadeiramente lúcido que permita distinguir o que está bem do que está mal ou, pelo menos, não tomar à partida, em todas as matérias, uma posição simplista e destrutiva.

Estarei a ser demasiado pessimista?

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